segunda-feira, 18 de março de 2019

fogi.

segunda-feira, 18 de março de 2019 0
Uma dose, duas ou três. Já nem sei mais onde estou, mas sei que estou bem. Solto fumaça pelo ar e isso me faz sentir vivo. Você mia do meu lado, traz seu rato pra mim. Se isso não é viver a plenitude, não sei o que é, então. Amanhã eu acordo cedo e o sono não vem. Talvez seja a hora de tomar a quarta. Tomo. Ansiedade. Agonia. Felicidade. Nem sei mais o que estou sentindo. Quando meu corpo começa a querer adormecer, você me assusta com seu olhar fixo e seu pulo certeiro e desengonçado. A noite é uma criança, é hora da diversão - você deve estar pensando. E não é que concordo com você, serzinho minúsculo e sem compromisso algum no dia seguinte. Eu me sento, mas logo me levanto. Abro a geladeira e a quinta está lá. Não é errado eu me embriagar todas as noites? Talvez seja, talvez não. Quem sabe? Você não me julga, apenas ronrona pedindo mais atenção. A noite não é uma criança, a noite é felina. A noite é quando a cidade dorme, porém nem tanto já que vivemos no centro da cidade, atrás de um hospital movimentado e em frente a uma rua tumultuada. Então decidimos ficar acordados, na companhia um do outro, entre doses e sachês - tudo isso basta, pelo menos por hoje. Amanhã é outro dia, amanhã vemos o que fazer com a noite vivida (jamais perdida). Há quem diga que estamos errados por sermos tão noturnos enquanto a cidade inteira dorme, mas quem são eles para nos julgarem? Durante a noite somos quem queremos ser, agimos de acordo com o que realmente somos - você do seu jeito e eu do meu. Tudo isso parece ser suficiente. Você da sua maneira esguia e aparentemente astuta, eu com meus tragos e devaneios, que parecem ser todos compreendidos pelo seu olhar. Acho que você me entende o jeito que eu sou e eu gosto do jeito que você é - independente e carente ao mesmo tempo. Não somos os mesmos, mas sabemos aproveitar a noite - sozinhos ou juntos. Você pedindo pra eu correr atrás de você e eu pedindo para lhe fazer um afago. No final das contas e no fim da noite, você é quem acaba me afagando e eu acabo lhe afastando.  Vou dormir, boa noite. Amanhã é outro dia, mas, com certeza, hoje foi mais uma das nossas noites.

2019.

Disseram que tudo bem fazer armas com as mãos, disseram que tudo bem armar a população. Disseram que violência se combate com violência. Disseram que direitos humanos protegem apenas os bandidos. Disseram que o cidadão de bem tinha o direito de se proteger, disseram que apenas eles tinham o direito de escolher quem vive e quem vai morrer. Gritaram que a minoria deveria se submeter à maioria, berraram que a mulher, só por ser livre, era nada mais que uma vadia. Urraram que era melhor um filho morto a um filho viado, urraram que o pobre preto favelado era sempre o culpado - então atira e mata esse ladrão. 
Uma criança atirou: não se sentiram culpados. Uma mulher apanhou: deve ter merecido. Um viado foi assassinado: talvez ele tenha agido de uma maneira inapropriada. Um preto foi preso (sorte dele que não apanhou ou morreu) apenas por estar e ser. Mas o bandido rico hetero branco é apenas um garoto, não sabe o que faz, já pediu desculpas e foi inocentado. 
Eles não sabem (ou talvez saibam e neguem até o fim) que suas mãos estão sujas de sangue. "Mas eu tenho o direito de me defender" - disse o pai de família rico que sonega impostos, não paga pensão, cujo maior medo é o de roubarem seu carro importado.
"Que matem todos que ameacem meus direitos (lê-se privilégios)" - disseram sem se importar se os outros possuíam sequer o direito de ser humano. As mãos estão sujas de sangue, mesmo que jamais tenham matado um sequer. 
Minha avó sempre me disse que a palavra tem muito poder, então quem fomenta discurso de ódio nada mais é que alguém com as mãos sujas de sangue de cada preto, de cada viado, de cada pobre, de cada mulher, de cada sapatão e de cada travesti que morre em nome da higienização da sociedade, venha ela em forma de moralismo velado, venha ela em forma de preconceito. Ah, e se a criança matou ou morreu com tiro de uma arma adquirida legalmente, não se sinta menos culpado. Não é uma sociedade armada uma sociedade protegida? Então, rumo aos Estados Unidos.
As mãos estão sujas de sangue não por uma facada, mas por um discurso incentivador de ódio, violência e extermínio em prol de uma sociedade privilegiada, que canta o hino nacional nas escolas como se amasse o Brasil acima de tudo (qual Brasil vocês amam?), que legitima a padronização, que não se importa com a diversidade, que diz o que quer quando quer e pra quem quer e chama isso de opinião. As suas mãos já estão ensanguentadas quando você diz que bandido bom é bandido morto, significando que apenas o pobre é bandido merecedor da morte, como se roubar um celular fosse trágico o suficiente a ponto de perdoar e esquecer todos os crimes diários que os poderosos cometem. Suas mãos estão inundadas de sangue vermelho (ou azul?) quando a propriedade desocupada e inútil vale mais que a vida de milhares de pessoas que não possuem onde morar por conta da sociedade injusta e desigual. Suas mãos estão escorrendo morte quando você é contra o filho da empregada frequentar a mesma universidade que seu filho, quando você é a favor da agroindústria em detrimento da demarcação das terras indígenas. Sua mão está cheia de sangue desde o momento que seu voto é baseado na limpeza de uma sociedade que favorece apenas você e seus iguais. Então, desculpe-me por informar, prezado cidadão dos bons costumes, do hino nacional, da arminha com a mão, dos privilégios, do conservadorismo estarrecedor, suas mãos estão sujas com o sangue de todas as pessoas que morreram, morrem e morrerão em prol da moralidade, da suposta ordem, do purismo, da higienização , do combate ao crime seletivo de forma truculenta e da salvação falaciosa que vocês tanto almejam e pregam.
 
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